Os baldados esforços da Google para impedir a divulgação de material pirata e seus efeitos práticos
Imagine a seguinte situação: um usuário digita na caixa de pesquisa da Google o nome de uma música. A Google usa seus poderosos mecanismos de busca, faz uma varredura na Internet e retorna uma longa lista de URLs de alguma forma relacionada com o nome da música. Dentre elas, há uma ou mais que levam a sítios de onde a música pode ser baixada ilegalmente, ou seja, sem o pagamento dos direitos de propriedade intelectual a seus detentores.
Não importando o que faça o usuário (baixe a música pirata, denuncie o sítio como distribuidor de material pirata ou simplesmente não ligue e siga em frente em suas tarefas), pode a Google ser acusada da prática de uma atividade ilegal?
Os detentores dos direitos autorais, incluindo a poderosíssima RIAA (Recording Industry Association of America), Microsoft e BPI (British Recorded Music Industry) entre muitos outros, juram que sim. E que esta atividade ilegal consiste em facilitar a distribuição de material pirata.
Já a Google alega em sua defesa que não, pois além de ela mesma não distribuir qualquer material pirata, seus mecanismos de buscas não podem determinar se uma página da Internet em particular está ou não violando as leis de propriedade intelectual. De fato, Susan Wojcicki, Vice-presidente da Google responsável pela engenharia e gerenciamento do produto, em entrevista a Walt Mossberg citada em artigo de Joshua Topolsky (cuja leitura e visualização do vídeo nela inserido sugiro a quem estiver interessado na postura petreamente estúpida e grosseira de Ari Emanuel, um dos mais poderosos representantes da indústria do entretenimento americana), afirma que “Nós fizemos todo o possível, nós não queremos erigir um negócio baseado na pirataria, nós queremos trabalhar com os proprietários do conteúdo. O problema é que é muito complicado identificar que direitos autorais pertencem a quem”. E acrescentou: “Se nos dão alguma informação, nós podemos solucionar todos os problemas técnicos, mas ao fim e ao cabo precisamos ouvir o detentor dos direitos de conteúdo. Não há fórmula, não há algoritmo…”
É claro que dependendo de suas convicções você, meu preclaro leitor, pode achar mérito tanto em uma quanto em outra argumentação. E se posicionar a favor tanto de um lado quanto de outro. Mas é certo que o assunto polariza opiniões – inclusive no âmbito da justiça – e uma discussão sobre o assunto, seja na mesa de um bar, seja na barra dos tribunais, seria virtualmente interminável.
Se o assunto fosse levado à justiça, evidentemente resultaria em uma aporrinhação imensa para a Google. Que, naturalmente, não está interessado nela.
Resultado: para evitar as acusações acima citadas, a Google adotou uma postura que me parece inteligente, prática e eficaz: efetua as buscas normalmente, usando seus algoritmos de pesquisa e fornece os resultados. Todos eles, já que pelas razões acima se percebe que não é possível filtrar aqueles que levam a sítios que violam a legislação de direitos autorais. Porém aceita solicitações dos detentores destes direitos para que sejam removidos os URLs que conduzam a sítios pirata, desde que as referidas solicitações obedeçam às formalidades do sistema de relato de violações de direito estabelecidas na legislação americana. Ao recebê-las, examina a legitimidade de cada alegação e, se a achar procedente, remove o URL de seu sistema de buscas.
E, de fato, a imensa maioria das solicitações são precedentes. Segundo a Google, 97,5% das solicitações feitas entre dezembro de 2011 e novembro de 2012 foram consideradas procedentes e os URLs correspondentes foram removidos do sistema. E se você quiser ver alguns exemplos de URLs cuja remoção não foi atendida pela Google, veja-as na página Solicitações de Remoção do “Google Transparency Report”. O que nos leva diretamente ao tema central desta coluna: a seção de direitos autorais do “Google Transparency Report” (Relatório de Transparência do Google).
O relatório não é novo. O que é relativamente novo é a seção de direitos autorais, agregada a ele há pouco menos de um ano, em maio de 2012. Mas que contém dados estatísticos coletados desde julho de 2011.
Segundo o próprio Google em sua página de direitos autorais, “O Google recebe regularmente solicitações de proprietários de direitos autorais e de organizações relatoras que representam esses proprietários para remover resultados de pesquisa que vinculam ao material que supostamente viola os direitos autorais. Cada solicitação menciona URLs específicos para remoção, e listamos partes do domínio dos URLs que tiveram a remoção solicitada em domínios especificados”. A Seção tem diversas subdivisões, entre as quais a lista de proprietários de direitos que efetuaram solicitações (cujo total chega perto dos 17 mil) ordenada decrescentemente de acordo com o número de URLs cuja remoção foi solicitada por eles (a campeã, como seria de esperar, é a RIAA com mais de doze milhões de URLs), a relação de organizações informantes, os domínios específicos que oferecem material pirata, a lista cronológica das solicitações de remoção com detalhes sobre cada uma delas, uma (ilustrativa) relação de perguntas frequentes, instruções sobre como baixar os dados do relatório e, finalmente, observações sobre alterações feitas nos procedimentos de análise das solicitações.
Tudo isto pode oferecer informações interessantes, mas o material mais suculento está na página de abertura, “Visão geral”, ao qual se tem acesso clicando no atalho “Direitos autorais” da página “Solicitações de remoção”. Pois lá se encontra não apenas o gráfico do número das URLs removidas ao longo do tempo como um pequeno resumo dos resultados globais das demais subdivisões acima citadas.
O relatório é atualizado semanalmente. O que examinei hoje, 26/02/2013, lista os dados disponíveis até 18/02/2013. Os resultados são agrupados por mês, portanto os dados correspondem ao mês de janeiro de 2013.
Neste mês as principais organizações relatoras (ou não seriam “delatoras”? fica a seu critério) foram: Degban (uma empresa cuja única função é procurar na Internet violações de direitos autorais de seus associados e tentar coibi-las), a RIAA, a BPI, o Fox Group Legal (uma escritório de advocacia especializado em direitos autorais) e o DtecNet, mais uma empresa especializada no combate à pirataria (como se vê, um florescente ramo de negócios). Já os cinco detentores de direitos autorais que acumularam maior número de solicitações foram o conjunto de membros da RIAA, do BPI, a Fox, a Froytal Services Ltd (não surpreendentemente uma empresa que produz material pornográfico) e a Microsoft (que deveria se envergonhar de figurar em semelhante companhia).
Agora, vamos aos dois tópicos finais que, a meu ver, são os que mais interessam.
O primeiro tem a ver com a evolução do número de solicitações recebidas semanalmente pela Google de julho de 2011 até o mês corrente (fevereiro de 2013, para ciência dos que lerem esta coluna daqui a algum tempo). A variação, exibida na figura que encima esta coluna, é evidentemente crescente. E o crescimento é quase exponencial.
O gráfico exibido é uma imagem simples, capturada da tela na página do Google. Mas o original é iterativo, ou seja, pousando o cursor do mause sobre qualquer ponto da curva obtém-se a semana correspondente e o número de URLs cuja solicitação de remoção foi feita naquela semana.
Pois bem: o primeiro ponto corresponde a meados de julho de 2011 com 128 mil solicitações. Seis meses depois, em meados de janeiro de 2012, o número quase dobrou para 212 mil. Mais seis meses, em meados de julho de 2012, o total semanal atingiu a marca de 740 mil solicitações. Finalmente, com mais um semestre chegamos à semana passada, quando foram recebidas bem mais que três e meio milhões de solicitações. Em uma semana!
Que conclusão se pode tirar do rápido crescimento destes números? Uma possibilidade é simplesmente o aumento exponencial dos arquivos pirata postados na rede. Outra é o aumento da eficiência dos algoritmos de busca das instituições destinadas especificamente a coibi-los, como Degban e DetecNet.
Quanto a mim, creio que a resposta está na superposição das duas tendências: a disponibilidade de arquivos pirata vem aumentando e a eficácia das técnicas utilizadas para detectá-los também aumenta ao longo do tempo.
Mas, definitivamente, esta briga de gato e rato não terminará tão cedo. E não me parece muito difícil prever quem sairá vencendo (e o desespero que tomou conta do Sr. Ari Emanuel no final do vídeo inserido no artigo de Joshua Topolskyparece deixar isto claro): ganha o rato. Pois, como bem assinalou Tom Freeburg, “guru” tecnológico da Motorola, ao longo dos anos “sempre que houve uma colisão entre a tecnologia e o sistema legal, a tecnologia venceu”.
O segundo tópico tem a ver com os piratas (ou pelo menos com aqueles considerados como tal pela Google) propriamente ditos. Quais foram os domínios que mais tiveram páginas com URLs banidas no último mês? Basta consultar a lista dos cinco maiores e descobrir que foram “fenopy.eu” (Fast and easy torrent downloads), com cerca de 430 mil URLs, seguido por “filestube.com”, “torrentz.eu”, “sumotorrent.com” e “filetram.com”, este último com cerca de duzentas mil URLs.
Que providência tomar contra eles?
Pois ocorre que o significativo crescimento do número de URLs flagradas distribuindo material ilegal fez com que surgissem críticas ao próprio Google. O que é natural. Em artigo que aborda este crescimento, Adi Robertson comenta que na medida em que “atalhos para material sujeitos a direitos autorais proliferam, os detentores destes direitos tornam-se crescentemente agressivos no que toca à sua remoção”. E acabam soltando os cachorros em cima da Google.
Que, como não pretende entrar em uma briga que, afinal, não lhe pertence e pretendendo dar uma satisfação aos reclamantes, em dezembro passado decidiu tomar uma providência: “rebaixar” em sua lista de prioridades de fornecimento dos resultados de pesquisas aqueles sítios campeões em solicitações atendidas de remoção de URLs. Trocando em miúdos: reduzindo a importância dos sítios que distribuem material pirata em seus algoritmos de pesquisa para que os resultados deles oriundos sejam empurrados para baixo na lista retornada.
Isso apresentará algum resultado positivo? No mesmo artigo acima citado Robertson afirma: “rebaixando os sítios que recebem um grande volume de solicitações de remoção de URLs, Google promove de modo genérico a eficácia de seus esforços contra os infratores das leis de direitos autorais, mas ainda está no centro de uma batalha de longa duração entre políticos, grupos industriais e piratas”.
Afirmação que tem minha total concordância. E ainda me atrevo a acrescentar: se nada for feito para alterar o sistema de comercialização de material protegido por direitos autorais de tal modo que os arquivos de músicas, filmes e coisas que tais possam ser adquiridos por um valor muito pequeno, fazendo com que valha mais a pena gastar aquele pouco dinheiro do que correr o risco de ser surpreendido em uma prática ilegal, o problema jamais será resolvido.
Um sistema assim deixaria o usuário feliz porque dispenderia pouco para ter o direito de desfrutar legalmente do material adquirido. Deixaria igualmente satisfeitos os detentores dos direitos autorais porque sua receita não sofreria redução significativa, já que a queda dos preços seria compensada pelo aumento do número de unidades vendidas. E, fora as entidades de combate à pirataria, associações de detentores de direito e alguns escritórios de advocacia especializados, todos serão felizes para sempre.
Porém, se alguma providência neste sentido não for tomada, a batalha prevista por Robertson será inevitavelmente ganha pelos piratas.
Quem viver, verá.